Final da Recitata: Biagio na personagem

Final da Recitata: Biagio na personagem

Não vou dizer que prometi não falar sobre a Recitata 2009, porque não prometi.

Participei pela primeira vez esse ano e acho que foi legal, valeu a pena. Pelo menos no que diz respeito ao que fiz, a meu desempenho. Li textos do meu O peso do medo, 30 poemas em fúria e, na final, um texto inédito. Na quarta-feira li os poemas J  rge (pode ouvi-lo clicando aqui) e Onde. Foi uma leitura visceral, em que improvisei da metade pro final. Um amigo gravou a apresentação, que pode ser vista aqui. Eu achava que tinha que ser assim, que tinha que jogar pra fora a fúra daquele livro em público. Mas, sinceramente, embora um amigo diga que minha forma de ler é antiquada, eu leio da maneira que acho que o meu poema deve ser lido. Coloco as inflexões que achei necessárias pro poema. Também me dou ao direito de mudar o que quiser.

Lembro de Gerusa Leal ter colocado no Twitter dela o questionamento: quanto da Recitata era literatura e quanto era teatro. Aquilo ficou na minha cabeça.  Por isso, para a final, decidi fazer uma metacrítica, inverter o jogo, esteticamente falando. Eu sabia que havia poetas como Lara, Miró, Biagio etc., que tinham essa coisa da leitura com performance. Eu não sou performático. O que fiz na quarta foi o avesso de mim, uma farsa. Eu fui eu, talvez, na final. Li um poema que escrevi exatamente pro dia, chamado Jurado. O poema diz assim:

Jurado

não isso não se faz com berro fogos de artifício ou espelho quebrado seu jurado não se faz pulando palco nem gritando na cara dos convidados seu jurado e não se faz porque importa a letra e não o teatro importa a dor e não o texto memorizado mas é tudo estranho é tudo falseado mais estranho é vender dor por mil trezendos e uns trocados estranho é estar aí do outro lado seu jurado

Eu via os sorrisos nervosos em alguns jurados da plateia e em outros presentes. Também o brilho no olho de algumas poucas pessoas que entenderam o que eu estava fazendo. Na quarta eu fiz aquela leitura gritada, quebrei o espelho, desci do palco, fiz toda a ‘firula’ que se quer ver na Recitata. Não era nada verdade. Verdade era eu na sexta. Todo esse texto é minha verdade e contradiz tudo o que fiz na classificatória. Fiz um ‘antirrecital’, na ilusão de que isso, curiosamente, seria novo, seria diferente das vozes repetidas na maioria das apresentações. Só eu e Artur Rogério ‘lemos’ nossos textos, assim, sem pudor. O texto que li na sequência, de O peso do medo, foi esse:

Wellington de Melo

não não serás grande poeta porque letra não se faz com afago não se faz com pena do amigo ou de seus alfarrábios não se faz temendo fúria de crítico frustrado engolindo medo de ser culpado serás funcionário cinza de iniciativa privada terás alguns belos fins de semana na praia e um um ponto zero meio usado uma vidinha classe média e uns poucos amigos sinceros não importa quanto sangre cada livro que letras mortas e pupilas empoeiradas em tuas costas sempre pesarão beberás como um cão sorrisos de canto de boca de burocratas do mecenato sobreviverás a lançamentos solitários em tardes ociosas de shoppings lotados farás rimas fáceis em troca de um trocado bajularás os papas da literatura provinciana do recife por um prefácio velado lerás talvez um dia um comentário insosso num blog pouco visitado darás em tua vida uma entrevista de três minutos um dia morto numa rádio muitos anos depois que te fores depois dos prêmios de todos os grandes poetas de tua geração terem se transformado em notebooks carreiras de coca viagens a cancun programas com boyzinhos descolados teu filho encaixotará teus livros não vendidos num sábado funerário e te esquecerão não serás grande poeta não n ão n ã o

Era o segundo recado da noite, dessa vez para os poetas. De qualquer forma, li o texto da minha maneira, da maneira que achava que tinha que ser lido. Só. Me preocupei com o texto, como anunciava no poema anterior. Acho que muitos entenderam, era tudo muito claro. Outros estavam muito bêbados para ouvir. Outros estavam bêbados o suficiente para transcender.

O mais engraçado é que Heloísa Arcoverde falou na abertura da noite que esperava que se premiassem coisas novas, diferentes do visto. Acho que os jurados não escutaram essa parte, porque os resultados foram o trivial, salvo felizes exceções. Mas sobre isso um dia eu falo.

4 Comentários
  • Gerusa Leal
    Postado às 21:51h, 16 agosto Responder

    Oi, Wellington

    O post no Twitter foi comentário de um bebum analfabético que sentou no chão ao lado da mesa do júri, e se saia, vezenquando, com algumas pérolas, dentre elas: “afinal, isso é literatura ou é teatro?” Como teatro também é literatura, algum crítico de plantão pode querer zoar, então, a César o que é do bebum.
    Mas quanto ao torneio, concordo com Lucila, acho que alguns nomes são or concours e deveriam ser convidados, mestres de cerimônia, fazer participações na grade do Festival, mas não deviam mais concorrer: 1. Cansa; 2. desestimula os que ainda não são performer “profissionais”.
    Outra coisa é saber se a ênfase do torneio deve ser a performance. Se for, questiono que se exija que os poemas tenham que ser de autoria dos performers. Mas se a qualidade literária dos poemas também deve contar ponto, então alguma coisa estranha aconteceu ontem.
    Gostei de você ter levado o poema à abertura hoje. Me vejo demais naquele seu poema…rs
    Abraço

  • André Cervinskis
    Postado às 15:00h, 16 agosto Responder

    Wellington,

    Sinceramente, os melhores foram: vc, Artur e Pedro Américo. Já estive como jurado e sei dificuldade de se reconhcerem os bons poetas, em detrimento dos somente performáticos.

    Fui jurado an passado confesso: muitas vezes, a gente vota nas pessoas que mais merecem; no entanto, outro jurado se impressiona com a performance e vence.Porque o que val é soma das notas.

    Aliás, nessa RECITATA,não se pode enm levar em conta o VALOR LITERÁRIO INDVIDUAL, que é um critério prá lá de subjetivo. O que vale mesmo é o TEATRO, como vc se apresenta no palco; se vc dá um grito no meio do poema ou se se suja de farelo de biscoito pra impressionar.

    Mas vc estava muito bem, como Lucila falou, e isso outras pessoas ao redor de mim, na hora em que saiu o resultado, tb disseram.

    PARABÉNS PELA CORAGEM!

    André Cervinskis

  • Lucila
    Postado às 12:00h, 16 agosto Responder

    Wellington

    O que aconteceu ali na Recitata
    é que poderiam ter convidado o Miró e o Pedro Américo
    para uma apresentação especial de encerramento
    pois como eles têm mais experiência
    evidentemente arrasam quando entram
    fica até mesmo desproporcional
    você fez uma linda leitura
    prepare-se para hoje no
    Teatro Santa Isabel
    e parabéns ao Festival
    por abrir com poetas novos !

    • Wellington de Melo
      Postado às 12:10h, 16 agosto

      Concordo, Lucila. Estão já em outro patamar. Beijos!

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