Há alguns anos a Unesco propôs um documento com alternativas inclusivas para termos considerados sexistas. Outros manuais foram feitos posteriormente, como o do Governo do Rio Grande do Sul, com a mesma proposta. Mas uma língua poderia ser considerada “machista”? A meu ver, sim e não. O que definiria então a linguagem sexista?
Uma língua é composta por relações sociais, historicamente situadas. Essas relações sociais podem favorecer um gênero e se refletem na cultura, esta última, o seio onde nasce qualquer língua. Ou seja, certas expressões ou construções são consideradas sexistas porque o olhar de um determinado povo, com uma determinada cultura, o percebe desta forma.
Tomemos como exemplo o termo “homem”. A Unesco recomenda, em vez de “direitos do homem”, “direitos humanos”. Você pode imaginar que realmente é machista falar de direitos do homem quando há também as mulheres, mas se buscarmos a origem do termo, percebemos que a raíz (humus) significa “terra”; ou seja, “homem” é o ser criado da terra, algo que reflete nossa cultura judaico-cristã.
Em latim, a raiz que faz referência ao ser humano do sexo masculino é “vir” (daí o adjetivo “viril”), e não homem. É comum, aliás, que adjetivos relacionados a substantivos tenham raízes distintas (“plúmbeo” tem a ver com “chumbo”). Se consideramos que “direitos do homem” é um termo sexista, isto se dá já em nossa percepção atual do termo, não em sua origem.
Linguagem inclusiva
Apesar de, diacronicamente, não haver uma justificativa para afirmar que o termo “direitos do homem” é sexista, no cotidiano as pessoas não fazem uma reflexão sobre a origem de um termo. Quando nos comunicamos, o que importa é o uso atual e seu valor, ou seja, a análise deve ser sincrônica.
Além disso, a linguagem é um instrumento de controle, e tanto pode incluir como excluir indivíduos, ideias e práticas dentro da sociedade. Exercitar uma linguagem não sexista implica, de alguma forma, exercitar a inclusão. Por isso, adotando uma postura positiva, tem-se falado da linguagem inclusiva em oposição à linguagem sexista.
Presidente ou presidenta?
Uma mostra clara de que a linguagem sexista tem um fundo ideológico, baseado na supressão ou invisibilização da mulher é a falsa polêmica em volta do termo “presidenta”, preferencialmente utilizado por Dilma Rousseff, que foi vítima de um golpe parlamentar em 2016.
Embora o termo fosse dicionarizado e já estivesse em nossa língua pelo menos desde o século 19, parecia incomodar a certos setores seu uso, como se não se pudesse dar visibilidade ao fato de termos pela primeira vez uma presidenta mulher eleita. Esse é apenas um exemplo de como, com efeito, a linguagem sexista opera no campo do simbólico e não pode ser ignorada como uma prática discriminatória.
Dessa forma, embora a língua, em sua essência, não possa ser considerada machista, as práticas sociais que a compõem sim podem refletir o machismo e, em última análise, reverberam nas expressões utilizadas no dia como parte da representação política e ideológica dos falantes em determinado momento histórico.
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