Ao chegar ao assento do voo que me levaria a Petrolina, uma coroa, ar de perua, óculos escuros e apetrechos mil, estava sentada no lugar que deveria ser meu. Janela, claro. Não porque goste de ver a paisagem, mas porque sempre apoio a cabeça de lado para dar um cochilo. Olhei o bilhete e a indicação no porta-bagagens: eu estava certo. Perguntei à mulher se o lugar dela era à janela.

– “Sim, 10C.”

“Engraçado, aqui parece ser o 10A na janela”, apontando meio sem jeito para o porta-bagagens. Esperava que ela não continuasse dando uma de doida. Claro que ela sabia que o C era corredor, principalmente porque quando fiz o check in eletrônico contei as poucas janelas disponíveis e coloquei o meu mais próximo da saída. Naquele momento, não havia nenhuma passagem comprada para os assentos 10, então ela comprou depois de mim, corredor.

– “Tanto faz, deve haver outras janelas disponíveis”, disse com desdém, mas sem mover um dedo.

– “Deve ser. Vou tirar a dúvida com a atendente.”

(…)

– “Tem alguém sentado em seu lugar?”

– “É, mas se tiver outra janela, eu sento, para não tirá-la de lá.”

– “Acho que não há, só quando finalizar o embarque.”

Dei de ombros. Cada um com seus problemas. A aeromoça dirigiu-se à senhora e perguntou por seu assento. Ela foi-se levantando, dizendo que venderam como janela, contrariada, mas sem sair do salto.

– “Tanto faz, já estou acostumada.”

Os atos de fala são muito interessantes e entender a mensagem cifrada nem sempre é fácil. Claro que ela queria dizer “Já estou acostumada a viajar de avião, não preciso ir na janela feito esse garoto deslumbrado.” Pensei em dizer algo, mas não estava pra confronto.

– “Pode passar, senhor”, irônica.

Sentei-me e peguei meu caderninho de anotações para trabalhar no Estrangeiro no labirinto. Então fiz algo que normalmente não faço: sutilmente fechei a persiana da janela e encostei a cabeça. Ela deve ter se remoído. Tenho certeza de ter ouvido um muxoxo. Em seguida, ela começou a tentar usar a TV de bordo (voos da Avianca são chiques!) sem sucesso, porque estava desligado durante a decolagem. Depois começou a tentar reclinar o assento. Outro fracasso. Ela deve ter ‘esquecido’ que os assentos 10 e 11 da Avianca ficam na saída de emergência e não se reclinam. Ela, para não dar o braço a torcer, não perguntou nada à aeromoça. Eu, particularmente, tinha esquecido esse detalhe estrutural do avião, por isso perguntei à aeromoça. A coroa, em silêncio.

Depois disso acho que ela sentiu nos pés as sandálias da humildade e decidiu perguntar como diabos se jogava na TV de bordo – ela ainda não tinha conseguido usar a danada da TV. Havia um manual, como sempre tem, no porta-revistas, com as instruções para jogar. Como ela já estava acostumada, devia saber, né? Pequenas vinganças essas que adocicam nosso cotidiano. Ou não?

Creative Commons License photo credit: EagleCam

 

1 Comentário
  • vannycabrall
    Postado às 16:07h, 08 julho Responder

    legal…de de más da conta
    vanny cabrall..

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