Introdução
A linguística é o estudo científico da língua. Já a linguística aplicada se trata de um subconjunto da linguística que se centra em como utilizar o conhecimento linguístico para resolver problemas do mundo real. Desta forma, no ramo específico do ensino de línguas estrangeiras, pense na linguística aplicada como uma disciplina que nos ajuda a planejar aulas de uma forma a potencializar o processo de aprendizagem, valendo-nos do que há de mais avançado nos estudos da linguagem.
Uma das questões importantes, na hora de pensar um curso de E/LE é determinar, ao longo do programa, como trabalhar as questões de fonética. A fonética é o estudo dos sons de uma língua, incluindo sua produção e percepção por parte dos humanos. É um ramo importante da linguística porque permite entender por que seus alunos podem ter dificuldades com certos aspectos da pronúncia em espanhol e fazer os ajustes correspondentes.
A fonética na aula de E/LE
A fonética pode ser usada para ajudar a explicar por que os falantes nativos do espanhol têm dificuldades para pronunciar certos sons do português. Por exemplo, a vocalização de “ó” (representado pelo alofone [ɔ], conceito que veremos a seguir), é particularmente difícil a um hispano, já que só o pronunciam “ô” (representado pelo fonema /o/). No caminho inverso, brasileiros tendem a “abrir” a vogal “o” em algumas situações, coisa que na língua espanhola não é permitido.
Nesse sentido, ter conhecimentos linguísticos prévios sobre a articulação desses sons permitirá ao professor de E/LE capacitar melhor seus alunos na realização dos mesmos. Professores sem conhecimento de linguística aplicada relacionada à fonética poderão explicar a seus alunos, de forma intuitiva, como pronunciar determinados sons, muito pelo erro e pelo acerto. No entanto, ao utilizar conhecimentos de linguística aplicada, o professor ou professora pode antecipar-se e planejar, estrategicamente, como lidar com possíveis problemas ao ensinar os sons da língua meta.
Noções básicas de fonética
O que é um fonema?
Um fonema é a menor unidade de som que pode mudar o significado de uma palavra. Por exemplo, /l/ e /r/ são dois fonemas diferentes em espanhol porque veiculam dois significados diferentes nos vocábulos “inflingir” (provocar dano ou impor castigo) e “infringir” (quebrar uma lei).
O que é um alofone?
Um alofone está para o fonema como o alomorfe para o morfema. Ou seja, é qualquer uma das várias pronúncias possíveis para um fonema; essas variações podem ocorrer devido a variedades regionais ou a padrões de fala individuais. Por exemplo, em Pernambuco, pode-se ouvir a palavra Recife com diversas pronúncias, dependendo da região ou da idade do falante. Alguns pronunciam com o “ê” fechado [e], outros fecham a vogal pré-tônica para [i], enquanto outros a abrem para “é” [é].
Já em espanhol, por exemplo, em algumas regiões, como em Cuba, o fonema /x/, representado pela letra “j” em “jamón”, pode ser mais aspirado (alofone [h]), assemelhando-se ao “rr” do português. Quando se ouve alguém usando essa variação, não significa que essa pessoa tenha uma má pronúncia, apenas que ela está usando outro alofone para esse som específico.
Fonética aplicada para E/LE no Brasil
O professor de E/LE no Brasil tem uma vantagem frente aos que ensinam em grupos multilíngues, porque geralmente trabalhará com alunos cujo perfil fonético propiciará uma maior antecipação dos problemas que terá.
Por exemplo, se se ensina para um grupo predominantemente formado por nordestinos, o professor ou a professora terá menos problemas com o fonema /t/ do espanhol do que se ensinasse para alunos de outras regiões, onde a letra “t” diante de /i/ se pronuncia de forma africada [ʧ] (um carioca fala algo como “tchia”, enquanto um recifense tende a pronunciar “tia”).
Outra forma como os conhecimentos aplicados de fonética podem ajudar no ensino de E/LE para grupos monolíngues brasileiros é facilitar a identificação de variedades do espanhol que se está ensinando. Por exemplo, se não há interesses específicos em aprender uma variedade, o professor ou professora poderá mostrar como reconhecer sotaques de diferentes regiões. Na variedade rioplatense, por exemplo, reconhece-se claramente a realização do alofone [ʃ] em palavras com a letra “y” pré-vocálica (“yo” se pronuncia “chô” em Buenos Aires).
Conclusão
É essencial para o profissional de ensino de línguas estrangeiras o domínio dos conceitos da linguística aplicada que se relacionam com o estudo da fonologia e da fonética. Sem eles, entramos no campo da pura intuição. Lembro de, nos anos 1990, ainda quando comecei a dar aulas, de ouvir uma professora chilena criticar determinada pronúncia de uma aluna, pois para ela estava “errado”. Tratava-se, na verdade, de uma variação, totalmente permitida em outras regiões, mas que não correspondia à variedade chilena.
Por fim, ao valer-se dos conhecimentos de LA à fonética, podemos aperfeiçoar nossa forma de ensinar, ao mesmo tempo em que nos inteiramos das mudanças que a própria língua vai sofrendo ao longo dos anos. Como falei em outro artigo, que você pode ler aqui, a língua está sempre em movimento. Logo, os sons também se modificam, e aquilo que você ensinava como variedade padrão há 20 anos, pode já ser diferente. Quantos falantes do espanhol, hoje, realmente pronunciam o grupo “ll” como “lh” (alofone [ʎ] )? Professores e professoras devemos estar sempre atentos a essas mudanças, para ensinar sempre a língua viva, não uma projeção do passado.
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