Um dos aspectos mais difíceis na escrita de um romance é encontrar e estabelecer seu sentido de unidade. É no que trabalho agora. Fazer com que a escolha das cenas dialogue com o tema sinalizado na premissa. Como fazer com que a atmosfera pretendida não se perca na profusão de detalhes prosaicos do real?

O real em excesso é inimigo da literatura. É preciso fazer escolhas na hora de narrar e aquilo que em algum momento poderia fazer sentido pode simplesmente ser perda de tempo. Em vez de colaborar, impede a percepção de totalidade que o romance parece demandar. A maior beleza deste gênero, creio, é fingir-se de real usando artifícios que o jogam nas cordas, acossam-no.

Nossa época tem uma queda pela fragmentação e pelas narrativas não lineares. Por isso, muitos dirão que esse sentido de totalidade não tem lugar no romance pós-moderno.  É um erro. Pode parecer que não achasse isso quando escrevi meu primeiro romance, Estrangeiro no labirinto. Mas quanta unidade naquela algaravia de narradores! Já não acreditava tanto nisso quando publiquei meu curiosamente também fragmentário Felicidade. Apesar disso, sei que o tema (que não é a felicidade, claro) está posto na forma que escolhi. Forma e tema são duas faces da mesma moeda. 

Hoje, entendo que, mesmo uma narrativa fragmentária precisa dessa unidade, se não do ponto de vista do arranjo, em tudo aquilo que é linguagem. Nesta fase final de escrita de meu novo romance, que já tem título, mas que não posso revelar ainda, tenho me ocupado de jogar fora esse “lixo do real” em favor da unidade temática e atmosférica. 

Tive, por exemplo, que aceitar que muitas das histórias que pretendia contar eram, na verdade, histórias de fundo (já falei sobre isso aqui). Tratavam-se daquela parte oculta do iceberg que, se me ajudavam a entender o dínamo que movia alguns personagens, não ajudaria o leitor e, mais que isso, o confundiria. Com isso, abri mão de um tipo de totalidade, que deu lugar a outra, mais eficiente. Espero ter sucesso. O tempo dirá. 

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4 Comentários
  • Adilson Silva Didil
    Postado às 16:02h, 23 agosto Responder

    o real em excesso vira ficção e a ficção em excesso é inimiga da boa literatura. o bom escritor acha o ponto g. não tem meio-termo.

    • Wellington de Melo
      Postado às 09:22h, 27 agosto

      Excelente observação, Adilson! obrigado pela leitura atenta.

  • Marcos Martin
    Postado às 17:26h, 22 agosto Responder

    Ótima reflexão e o quão é interessante ver os bastidores da mente do criador. Me pergunto se Deus não teria um diário com esbolsos de sua criação.

    O real em excesso é inimigo da literatura
    Mais pura verdade para quem cria é ainda mais verdadeiro para os poetas.

    • Wellington de Melo
      Postado às 09:23h, 27 agosto

      Grato, Marcos, por sua leitura detida. Volte sempre!

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