Há escritores que precisam ter um final para poder escrever seus romances. Outros esperam que o final apareça ao longo do processo de escrita. Como em outras situações neste diário de escrita, da minha parte, fico no meio do caminho. 

Normalmente, o final me surge como uma névoa ou um fantasma, que me assombra enquanto a narrativa vai sendo levada de um lugar a outro. Por exemplo em Felicidade, eu imaginava o final de Ademir, mas na versão publicada, ele ficou em aberto. Alguns leitores me disseram um final de redenção, outros de vingança. “Qual é o certo?” Não tem final certo. Nem eu sei como deveria acabar, respondo.

Dificilmente escrevo o final de cara: ele fica apenas como essa referência de eventos que terão lugar no desenlace da trama, um ponto de fuga no horizonte para o qual as linhas da narrativa devem seguir. Em Estrangeiro no labirinto eu também sabia onde acabaria o juiz, mas não havia escrito a cena até a fase final do romance. Já a cena final do matador de aluguel estava escrita muito tempo antes.

De forma geral, como não está escrito, não há um compromisso com esse fantasma do final e, vez ou outra, acabo me esquecendo de que ele existe. Na encruzilhada, nos encontramos e fazemos as pazes ou brigamos mais uma vez e cada um vai par seu lado. Mas é um tipo de assombração que julgo benéfica. A personagem que cobra a última palavra, como uma réplica num debate acalorado, normalmente incomoda, mas é por uma boa causa. 

Esta semana, um personagem que teve a voz silenciada deliberadamente nesta versão do romance decidiu falar. Há um apelo dramático com retardar a aparição de uma personagem. Lembro do Coronel Walter E. Kurtz, da adaptação de O coração da trevas, de Conrad, para o cinema, Apocalypse Now, de Francis Ford Copolla. O capitão Willard é apresentado a esse personagem mítico, mas temos quase nada dele até sua aparição, no final do filme (foi o dinheiro mais fácil que Marlon Brando ganhou).

Percebi isso com esse personagem: ao dar apenas relances dele ao longo do romance, sem que haja uma fala direta sua sequer, reforça-se a dramaticidade da cena. Por isso, achei que seria digno que o romance terminasse com esse monólogo, mas lembrei do fantasma: o que fazer com o final que havia pensado antes? E se esse final também for outro fantasma? Talvez ainda não tenha encontrado o final. Talvez ele ainda venha me assombrar. 

P.S: Se chegou aqui pelo Instagram, já sabe responder a pergunta que fiz por lá? Deixe nos comentários.

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