Haverá tempo para chegar cedo, não importa o trânsito.
A casa estará fechada e o clique da chave explodirá o silêncio da rua.
A primeira coisa será tirar a camisa e colocá-la no cabide atrás da porta – é um único cabide e uma única porta.
Trocarei por outra camisa mais surrada, que não se importará de receber um ou outro respingo de tinta.
Haverá sempre uma vassoura em algum lugar e alguma sujeira que precisará ser retirada – sempre há uma vassoura e sempre há sujeira.
A janela deverá ser aberta – é um desperdício ter a sombra das mangueiras para amenizar o calor e ficar numa sala fechada.
O papelão irá sendo cortado e empilhado docilmente – o que ele fará em seguida nada terá de dócil.
A tinta irá se acomodando aos retângulos, um após o outro, sem perguntar nada.
A linha irá navegando pelo papel, subindo e descendo, dando nós em torno de si mesma.
Em breve os livros ganharão esse nome, ainda que mesmo antes de ser, já fossem.
Chegará a preguiça e a solução será parar, armar outro pedaço de papelão que virará cama, sem cerimônia.
A siesta chegará sorrateira e irá embora impune com as primeiras cigarras, com suas reclamações pela janela no meio da tarde.
Talvez haja tempo de ler um pouco.
É provável que escreva um pouco mais, se calhar de encontrar as palavras certas – ou se decidir inventar as erradas para ver no que dá.
A ducha, a toalha, de volta à camisa, uma última olhada nas coisas e a sala se fechará.
O dia terá sido desenhado, a semana caberá na palma da mão, os meses serão uma metáfora, os anos nem fazem mais sentido.
A chave penetrará a noite e eu esperarei o próximo dia.
O tempo observa o que faço com ele. E sorri.
meus livros.
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