Talvez a maior busca de um escritor seja pelo leitor ideal. Essa busca atormenta o autor durante o silêncio que sucede a publicação e nunca o abandona. Imaginar que alguém tenha todas as chaves para abrir uma obra e alcançar a menor das matrioskas encerradas nas páginas de um livro é quase uma utopia. Por isso, o misto de ansiedade e receio quando soube que uma turma do ensino médio de uma escola no Recife estava fazendo um trabalho envolvendo meu “O caçador de mariposas”. Como seria a recepção? Conseguiriam abrir quantas portas? O livro os tocaria de alguma forma?

Sempre acreditei no poder da mediação do professor e, nesse sentido, parte de meus medos se dissipou quando soube que a professora Bianca Campello estava à frente desse trabalho. Conhecia a paixão – ingrediente essencial para um professor de literatura – e a seriedade – ingrediente essencial para qualquer professor – com que Bianca trabalha e, pior, sabia que ela teria um molho de chaves bem amplo. Muitas portas portas seriam abertas.

Mas não imaginava um resultado tão poderoso. O trabalho consistia numa primeira leitura guiada do livro. Claro que Bianca, que havia escrito um excelente ensaio sobre o livro, e foi responsável pelo posfácio da edição francesa, lançada no ano passado, deu logo as primeiras chaves: o livro traz um poema longo que se estrutura a partir do percurso do herói junguiano, usando os arcanos maiores do tarô para representar cada uma das vinte e duas lâminas do jogo em seus vinte e dois cantos. Isso justificou que o trabalho final fosse uma interpretação intersemiótica. A professora propôs não uma manjada resenha ou coisa do tipo: os alunos deveriam interpretar o livro criando um novo tarô a partir de sua leitura.

Como falei, o resultado foi incrível. Nas lâminas criadas pelos alunos, é possível perceber tanto a compreensão deles do sistema do tarô, como sua ligação com cada um dos poemas. Assim, a maioria dos baralhos – que foram criados artesanalmente, alguns em papelão como são as edições do livro – remete ao tarô de Marselha, mas há variações que lembram Rider-Waite. Há decks de todos os tamanhos e com diferentes estilos. Alguns são puramente visuais e a relação intersemiótica os transforma em pequenas obras de arte. Há baralhos que chegam a uma síntese de compreensão tão profunda que recriam o sistema e nos presenteiam um novo baralho, com títulos que remetem a versos dos poemas, mas que preservam o espírito da jornada do herói.

A magia da busca pelo leitor perfeito talvez seja esses encontros em que, na verdade, só nos vemos por um relance. Observando os baralhos, que a professora Bianca fez questão de deixar comigo de lembrança, me aprisiono também nos universos que eles criaram a partir da leitura do meu livro, mergulho nos olhares que eles engendraram, nos descaminhos, nas encruzilhadas, volto à superfície e mergulho mais uma vez, perdido numa microscópica matrioska, esperando um dia receber uma “carta de leitor” tão magnífica como essas que me deram de presente. Confira aqui algumas das cartas.

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