Estou lendo um livro bem bacana sobre tipografia chamado Esse é meu tipo, de Simon Garfield. O texto é leve e vai conduzindo o leitor pela história da tipografia de maneira bem humorada. Quase como se você estivesse vendo um stand up comedy, com alguma dose de nerdice, claro. Sempre gostei muito do assunto e esse livro, presente do amigo Cristhiano Aguiar, pode ser devorado rapidamente, mesmo por pessoas que não são especialistas no tema. Tenho um horror quando vejo um livro de poesia diagramado com uma fonte sem serifa. Esta semana peguei um diagramado em… Arial! Um crime, para não dizer uma barbárie.

Isso me motivou a escrever este artigo para compartilhar alguns conhecimentos básicos sobre tipografia. Faço isso mais pela paixão que por dominar plenamente o tema. Os conselhos podem ajudar vocês a compor melhor um texto pro trabalho ou a diagramar o livro que estão pensando publicar de forma independente. Se você puder pagar, contrate um designer gráfico, não há melhor pessoa para tomar essas decisões.

Com Serifa ou Sem serifa

Essa é uma informação básica. Serifas são essas pequenos prolongamentos nas hastes das letras que podem ser percebidos em fontes como a Times Nem Roman ou Georgia. É como a fonte que você identifica no título desta postagem, embora seja uma família específica de serifas, que alguns chamam de egípcias. (Post Script: Mudei a combinação de fontes do site: agora os títulos são sem serifa, com um bold suave, em contraste com Halleway – sem serifa – do corpo, que é fina). A fonte do corpo desta postagem, por outro lado, é sem serifa – como Helvetica ou Arial.

Mas além dessa diferença da forma, qual o uso dessas fontes? Dito de maneira simples, fontes com serifa são usadas mais para textos complexos ou extensos. Isso porque facilitam a leitura e suavizam a experiência, já que evita confusão de tipos parecidos e aglutinam melhor as palavras. Letras sem serifa são melhores em textos curtos ou técnicos, além caírem bem em títulos, além de terem, normalmente, um aspecto mais contemporâneo. Se observar livros de literatura bem editados, verá que são diagramados com fontes serifadas. Isso é uma coisa óbvia: a literatura exige uma atenção maior que um livro de autoajuda, por exemplo.

O olho gasta a fonte

Mas não basta escolher entre fontes serifadas e sem serifa. Mesmo dentro da própria família, há escolhas certas e erradas. Uma das coisas legais de pegar uma boa edição de um livro é ter uma fonte que passe despercebida, mas que não seja tão batida. É um duplo caminho de elegância e comedimento. A fonte não deve ser extravagante a ponto tirar a atenção do texto, nem tão insipiente que pareça com aquela peça de roupa comprada em loja de departamentos.

Por exemplo, a Times New Roman é uma fonte tão usada que nosso olhar já a desgastou. Usá-la num livro de literatura, mesmo sendo uma fonte serifada, é um erro. Já uma Garamond [1. Meu romance Estrangeiro no labirinto foi diagramado em Garamond e os títulos da capa em Gotham, trabalho muito bacana da Confraria do Vento.] ou Mrs Eaves são opções menos óbvias e com certeza mais elegantes, sem chamar para si a atenção. Os livros do meu selo, Mariposa Cartonera, são editados com fontes da família Absara, que tem versões com e sem serifa.

Dois pesos e uma medida

Uma coisa importante e que requer um olhar mais apurado é decidir o peso das letras e sua relação dentro de um projeto. Com certeza deve haver cálculos que os profissionais fazem para encontrar isso. Mas, intuitivamente, sabemos que um título deve ter um peso levemente maior que o corpo de um texto. Não muito para não parecer um elefante ao lado de um coelho. Por exemplo, se o corpo do livro é em Garamond 12 (um tamanho que normalmente atende à maioria dos projetos para livro de literatura) convém títulos em 16. Se for usar uma fonte sem serifa, como Gotham, por exemplo, isso pode ser ligeiramente diferente.

Contraste entre fontes

Normalmente você não deveria usar mais de dois tipos de fonte num texto, sob risco de fazer um samba do crioulo doido e confundir seu leitor. Ao escolher o par, no entanto, você pode seguir dois caminhos. Buscar fontes que se complementem, por oposição, ou fontes que se aproximem. Isso pode acontecer tanto com fontes serifadas como com as sem serifa.

Normalmente, você vai perceber as similaridades entre fontes ao ver as letras AGE (em caixa baixa). Compare as fontes seguintes em dois pares: Bembo e Gill Sans, ao lado de Bree Serif e Futura do outro. Veja que as letras “a”, “g” e “e” são parecidas entre os pares. O “a” das duas primeiras é fechado, enquanto no segundo par ele tem um arco. O “g” tem um um bojo no primeiro grupo e um arco na parte inferior no segundo. O desenho do “e” também apresenta ligeiras diferenças. Essas são as pistas para você escolher fontes que “combinam”, mesmo sendo umas serifadas e outras não.

Pesquisar sempre

Como uma última dica, é sempre legal ler fóruns na internet sobre tipografia. Há boas combinações de fontes sugeridas por designers, tanto para uso em livros como para web. Teste também várias possibilidades até chegar a uma combinação que agrade, mas ouça também a opinião de outras pessoas. No final, funcionam melhor as fontes que facilitam nossa leitura, não as que se destacam. Dizem, na verdade, que quando você lembra a forma de uma colher é porque não é uma boa colher. O certo seria que você apenas a usasse para tomar sopa e que sua forma passasse despercebida. Assim será com o design de fontes, diz o Garfield, nesse livro bacana que motivou todo o artigo.

Ah, e já ia me esquecendo: você pode se interessar também por outro artigo que escrevi sobre como diagramar seu livro usando apenas o aplicativo Word. Você pode começar a leitura agora, clicando aqui.

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20 Comentários
  • Thalis
    Postado às 13:31h, 09 outubro Responder

    Outra coisa, o problema da EB Garamond é o seu itálico que é muito acentuado (deitado). Acho terrível para ler, em especial quando está em negrito. Gostaria de encontrar uam fonte bonita como a EB (licença free) com italico leve.

  • Thalis
    Postado às 13:27h, 09 outubro Responder

    Me amaro muito nas fontes BEMBO e GOUDY OLD STYLE, no entanto, no meu MAC só tem a opção regular e itálico, não possuindo bold nem italic bold. Como elas não existes no Google Fonts, não sei qual seriam as simulares com bold/italic.

    Por enquanto estou na EB Garamond. Mas se eu pudesse achar uma realmente igual Bembo ou Goudy Old Style com bold e itálico, com licença FREE seria o máximo.

  • Evelin Gonçalves
    Postado às 05:33h, 28 junho Responder

    Este artigo me ajudou muito. Esclareceu muitas dúvidas que tinha em relação a escolha da fonte. Inclusive lancei um livro há 5 dias e já penso em alterar a fonte dele.

  • Danilo Rodrigues
    Postado às 10:08h, 06 agosto Responder

    Excelente texto. Estou pesquisando para publicações de livros e esse texto ajudou muito! Obrigado e parabéns!

  • Marcos Toni
    Postado às 11:24h, 20 outubro Responder

    Olá, gostei do artigo.

    Posso deixar uma sugestão?

    Você poderia fazer um outro artigo, agora, falando sobre as fontes mais recomendadas para livros de ficção de horror, noir, terror gótico, cósmico, etc.?

    Também seria interessante abordar o mesmo tema do ponto de vista da “inspiração” que cada tipografia suscita no autor.
    Eu mesmo, por exemplo, às vezes, sinto-me mais ou menos motivado a pensar e escrever quando escolho uma fonte tipograficamente mais “rebuscada”.

    Em todo caso, agradeço.

    Abraço!

  • Ssoaresmartins
    Postado às 11:33h, 10 maio Responder

    Olá amigo, gostei muito de seu post e, mais ainda do tutorial. Confesso ser marujo de primeira viagem, estou tentando editar um romance que está todo escrito, mas me esbarro em determinados itens. Exemplo: qualquer fonte que coloco,, como Garamond 12,, cabem no máximo 32 linhas. Os livros tradicionais, normalmente vem co 36, estou seguindo diagramações recomendadas pelos sites especializados, No momento estou com margens de 2 e superior e inferior com 2, Única forma que cabem mais linha é sem cabeçálho e Rodapé. Poderia me dar uma luz?

  • Diogo de Oliveira Almeida
    Postado às 16:47h, 27 abril Responder

    Olá. Gostei do artigo!
    Estou escrevendo um livro de poesia e estou há um tempo escolhendo a fonte para utilizar no livro.
    Gostei das fontes: EB Garamond 12, Garamond normal, Bona Nova, Calluna entre outras parecidas.
    Não escolhi aínda, mas por enquanto está com a fonte Bona Nova.
    O que acha? Gostaria da opinião para fonte serifadas para livros de poesia.

    Obs. Gostei da EB Garamond 12 e Bona Nova também devido a cauda longa da letra Q.

    Desde já agradeço!!

    • Wellington de Melo
      Postado às 08:00h, 28 abril

      Olá, Diogo.

      A Bona Nova é uma releitura da Garamond e eu gosto bastante. Se você precisa de economia de espaço, a Garamond é imbatível. Se não, arrisque com a Bona Nova. Abraço!

  • Antonio Felix
    Postado às 11:42h, 22 fevereiro Responder

    Não concordo muito com essa teoria de que os livros têm de serem editados com letras serifadas, acho isso meio antiquado e tradicional, tendo em vista a galeria de fontes que a informática atual nos trouxe, então ainda temos de ficar presos ao passado com aquelas fontes limitadas em 5 u 6 tipos definidos. Acho linda a letra “castle”, “corbel”, “verdana” e muitas outras para texto, inlusive eu já editei e imprimi livros com letras lindas sem serifas a pedido do próprio autor, são letras leves, arejadas, em poesias ficam lindas…

    • Wellington de Melo
      Postado às 12:14h, 22 fevereiro

      É uma forma de ver e respeito. Com textos curtos, como poemas, talvez funcione. Mas minha defesa não é por conta de algo puramente estético, mas por uma questão de ordem fisiológica: os olhos simplesmente se cansam com fontes sem serifa em textos longos. E da mesma forma que há uma infinidade de fontes sem serifa novas, também temos fontes serifadas ousadas, como a Absara ou a Mr Greaves. Abração!

  • Priscila
    Postado às 09:56h, 10 setembro Responder

    Engraçado, eu prefiro fontes mais rebuscadas no título e fontes mais simples e sem serifa no texto. Acho que o visual fica mais limpo e mais gostoso de ler.

    • Wellington de Melo
      Postado às 09:41h, 15 setembro

      Olá, Priscila. O problema é que, numa leitura longa, as fontes sem serifa (tipo arial, verdana etc) tornam a leitura cansativa. Para textos curtos, funcionam melhor. Obrigado pela leitura, volte sempre.

  • Luigi Bonvenuto
    Postado às 15:44h, 08 julho Responder

    Obrigado! Estou escrevendo um livro há cinco anos e estou em dúvidas se publicarei independente ou com editora. De qualquer forma, estou pegando algumas dicas sobre formatação e diagramação que com certeza serão úteis.
    No momento utilizo Garamond 11, mas penso em aumentar para 12. Acha que fica muito grande? Depende muito do livro e do espaçamento, eu sei, mas tem alguma opinião sobre isso?
    Obrigado!

    • Wellington de Melo
      Postado às 20:38h, 01 agosto

      Olá! Realmente é difícil dizer, mas em tese, acho Garamond 11 pequeno. Até maior que 12 funciona, mas é bom imprimir e “sentir”.

  • Romulo Narducci
    Postado às 11:56h, 21 setembro Responder

    Excelente artigo, meu caro! Gratidão!

  • S.V.Reis
    Postado às 11:49h, 25 julho Responder

    Gostei das dicas! Mas queria saber especificamente quais fontes mais recomendadas para livros paradidáticos. Eu escrevo esses tipos de livros.

    • Wellington de Melo
      Postado às 14:16h, 27 julho

      Varia muito, mas ainda insisto que se há um volume grande de texto, melhor fontes serifadas.

  • Salomão Sousa
    Postado às 15:03h, 28 julho Responder

    Concordo imenso com sua postagem. Há um descalabro no processo de escolha de fontes e em todo o processo de edição dos livros de poesia. São tantas opções de fontes e papel e formatos, e ainda erram tanto. Os livros de poesia precisam de leveza, e a tipologia ajuda nesta questão. Temos de levar em consideração que a tela está contribuindo para mudar a forma de enxergar a espacialidade da escrita. Certamente, as famílias de tipos mais antigos terão de se ajustar para ajudar numa melhor clareza na composição. Mas vamos em frente.

    • Wellington de Melo
      Postado às 16:45h, 28 julho

      Com certeza, Salomão. E veja que a importância da tipologia, mesmo nos meios digitais, é crucial.

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