– Sim, mas é só isso?
– Isso o quê?
– Um livro com capa de papelão?
– Não, é muito mais que isso.
– Tá, mas essas capas são feias.
– Por quê?
– Porque são. Imperfeitas, mal pintadas. Ó, até aparece a marca da Elma Chips aqui…
– Perfeição é uma ilusão, a vida é imperfeita. As capas não precisam ser perfeitas, as capas precisam ser únicas, precisa haver sonho em cada uma delas; desejos, encontros, sorrisos…
– Mas isso é um produto.
– É um livro.
– Um produto.
– Tudo bem, mas não da maneira que você pensa. O livro não é um fim em si mesmo. Essa história de livro-objeto não nos interessa: objetos, amigos da Espanha disseram, são para ficar na estante de enfeite. Esses livros foram feitos para serem lidos, passados adiante, promover trocas de olhares, novas amizades.
– Tá, mas ainda assim as pessoas compram esses livros.
– As pessoas não compram um objeto, compram uma experiência.
– Exatamente: continua sendo marketing. Ou seja, produto. Gera emprego, lucro etc.
– Lucro não é importante. O importante é criar pontes.
– Quero ver você fazer uma ponte sem concreto e ferragem. E essas coisas custam… dinheiro!
– Se não der para fazer a ponte, cruzamos o rio a nado.
– Isso é muito romântico, mas na prática não rola.
– Há mais de duzentas editoras desse tipo no mundo em dez anos de movimento cartoneiro.
– Mas no final as pessoas só pensam em lucro. Escritores incluídos.
– Esses não nos interessam.
– Então, pode não escrever bem, mas se seguir a causa…
– Esses tampouco nos interessam.
– Tá, então o quê?
– Interessam aqueles que achem que podemos mudar algo com o que fazemos, mesmo que seja na nossa cidade, no nosso bairro, em nós mesmos. Virar ao avesso a lógica do mercado, ter em mente a solidariedade, que com esses livros podemos dar uma vida mais digna a catadoras como o Severina Catadora, que compartilha o acervo conosco – todos nossos autores autorizam uma edição para elas. Olhar as coisas de um modo torto para endireitar as coisas entortando-as.
– Com papelão?
– É, com papelão.
– Acho isso só um golpe de marketing.
– Ok, é uma opinião válida. Mas quando não há verdade, as coisas acabam por si sós. Então é só esperar.
– Sei.
– …
– Quanto é o livro.
– R$ 10, qualquer um. Vai levar quantos?
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