Ontem, ao procurar um livro para uma pesquisa qualquer, descobri uma infestação de cupins na minha minúscula estante [1. A maior parte dos meus livros estão no Pina. Onde estou morando cabem, no máximo, as três prateleiras que hoje abrigam basicamente meus livros de poesia. O fato de ter trazido basicamente meus livros de poemas daria outro post, mas deixemos para outro momento.]. A última prateleira, mais próxima do chão, praticamente toda tomada com os bichos, que pareciam vermes engordados com celulose.
Perdi alguns livros, entre eles a edição que mais gostava da antologia Severina Catadora. Muitos jornais com clipagem semidestruídos, agendas com anotações comidas e perfuradas. Paisagem com dromedário, de Carola Saavedra, estava um pouco prejudicado, mas os cupins tiveram alguma dificuldade de devorar suas páginas. Meu Dicionário Chevalier de Símbolos escapou.
Em algum momento tive vontade de jogar tudo fora, de incendiar toda a biblioteca. Pouco depois, resignado, comecei a retirar os bichos, limpar os livros, um a um, aplicar veneno [2. Pensei agora em livros envenenados e não tive como esquecer d’O nome da rosa.]. Meu passado, parte de minha história, comidos pelos cupins, assim, na surdina, a meu lado. Os bichos iam caindo, mortos, no chão do quarto. Varri tudo e organizei minimamente o que sobrava.
Passei o dia no trabalho, pensando que os livros ainda estava sendo devorados, que alguns cupins tinham sobrevivido e passariam a outros livros que não tinham sido atacados ainda. Controlamos tão pouco, tão pouco. A experiência reforçou algumas ideias que venho vivenciando, essa coisa de não podermos querer gerir tudo. Confiar mais nos astros, nos outros. Confiar até nos cupins: deve haver alguma lógica em sua destruição caótica das coisas. Só não me cabe entendê-la, talvez.
Consegui organizar o quarto depois de uma semana. Livros recolocados e veneno aplicado de vez em quando, só para não dar a chance para os cupins de novo, a despeito da verdade que querem me mostrar.
Foto de: Gnilenkov Aleksey
4 Comentários
fernando farias
Postado às 12:50h, 23 setembroSobre Cupins e Poemas
Os cupins são serem vivos e toda a vida deve ser preservada.
Os cupins, como os intelectuais, adoram devorar livros.
Já tive livros e pastas dos meus arquivos, de recortes e anotações, devorados.
Agora vejo que o amigo e poeta Wellington de Melo também teve livros comidos pelos isopteras que adoram a celulose. Fico triste ao ler a crônica “A verdade sobre os cupins” em seu blog.
Estes pequenos seres viventes também nos avisam que só devoram o que nós esquecemos ou guardamos para que algum dia, quem sabe, a gente se lembre de rele-los ou nossos familiares joguem no lixo após o sepultamento.
A cada mês estou me livrando de livros que vou acumulando e as minhas doze estantes que sempre me obrigaram a morar em apartamentos de três quartos agora se resumem a duas pequenas de madeira no chamado quarto da empregada que nunca tive. Guardo apenas os livros que preciso para consulta e os com o carinho dos amigos. Entre eles está “O peso do medo”.
Livros são para circular, passar de mão em mão, emprestar a fundo perdido ou serem esquecidos nas mãos de outros amigos. Uso as sacolinhas da padaria para levar livros para meus alunos. Adoro este ritual.
Agora, sinto e lamento a dor e a raiva de Wellington de Melo, portanto, sugiro que ele abra uma garrafa do bom vinho Capelinha Suave e brindemos as traças e aos pobres e inocentes cupins que antecedem aos vermes que vão devorar todos os nossos livros e mentes.
Abraços
Fernando Farias
Wellington de Melo
Postado às 19:32h, 23 setembroMelhora esse vinho…
Dorilma
Postado às 13:05h, 22 setembroSimples, cotidiana e bela. Parabéns!
Wellington de Melo
Postado às 19:32h, 23 setembroObrigado, querida.