Hoje é o último dia da VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco e, mesmo com todos os músculos do corpo pedindo trégua, com a cabeça a mil esperando os momentos finais e o desejado ‘acabou’, não poderia deixar de escrever sobre a experiência.
Desde o ano passado, quando fui convidado pela bienal para ajudar Homero Fonseca na criação da programação, venho experimentando os mais diversos sentimentos: a ansiedade pela resposta de um convidado, a frustração com cancelamentos que ninguém chegou a tomar conhecimento, a alegria de finalmente conhecer pessoas maravilhosas com as quais só havia tido contato por email, o re-encontro com amigos e por aí vai. Às vezes é preciso defender com unhas e dentes uma ideia, uma presença que você julga importante. Nem sempre se vence, mas a negociação também é um aprendizado: saber que, no final, nunca se conseguirá fazer tudo com a perfeição que nossa mente pede, que sempre haverá o que poderia ser melhor.
Eu me considero um estudante. Sempre. Talvez por isso, por sempre achar que sei menos do que deveria, que preciso aprender sempre mais, busque energia onde não tenho para realizar o que me proponho realizar. Sempre que encontrava com um amigo durante a feira, enquanto ficava de um lado para o outro tentando garantir que os horários fossem respeitados, que a água estivesse na mesa para o convidado, que ninguém digitasse o nome de ninguém errado, que todos tivessem seu espaço e sua voz, toda vez que via um amigo ele dizia: “Você parece cansado”. Era o peso da responsabilidade nas minhas pálpebras, eu acho.
Uma menina que trabalha no receptivo, muito competente e atenciosa, que esteve no Círculo das Ideias, chamou-me de Mestre dos Magos. Acho que foi porque estava em um lugar e logo desaparecia para aparecer em outro e depois voltar ao mesmo lugar. Para quem não sabe não se envolver, como eu, é preciso esse toque de mágica para desdobrar o espaço-tempo e tentar fazer com que todos se sintam bem, que todos que passem por mim possam alcançar seus objetivos. Nada de caridade nem coisa do tipo: eu realmente gosto de promover encontros, de ver as coisas fluindo por si sós. A mistura para mim é o que interessa. A literatura é uma das maneiras de se fazer isso, mas acho que o que transcende isso é o quanto de humano que habita os livros.
E olhe que não sou das pessoas que mais acreditam na alma humana. Disse até isso numa mesa durante a Bienal e até me arrependi um pouco, pois acho que a pessoa se magoou um pouco comigo. Mas quando vejo pessoas com os olhos fechados ouvido os poemas de Silvana Menezes nas bibliotecas comunitárias e no meio da rua, sinto que faz algum sentido ainda insistir. É que existe tanta fragilidade, tanta gente que precisa ser ouvida, tantas vozes sufocadas pelo mercado. Me interessa muito mais o olhar e a voz suave de Graça Graúna falando que foi a primeira vez que a literatura indígena teve vez num evento desses, do que todos os aperreios dos dez dias de bienal. Aquele momento, talvez, foi mais importante na medida em que tem um simbolismo para mim, que também sou voz sufocada da periferia, que por algum motivo que desconheço, conseguiu ser um pouco ouvida.
Quanto a mim, não considero meu trabalho mais ou menos nobre, mais ou menos importante do que qualquer um que proporciona esses encontros, porque cada peça deve se encaixar para que as coisas aconteçam. A imagem de um lago me é útil agora: meu trabalho não é mais do que receber barquinhos de papel, em uma das margens desse lago, colocá-los delicadamente sobre suas águas escuras, com cuidado para não virarem com o vento, para que não afundem nesse lago que devora sonhos, e dar um leve toque para que sigam seu rumo para o outro lado.
3 Comentários
Fabio Lucas
Postado às 21:39h, 09 outubroO demiurgo do lago… que não devora os sonhos que atravessam!
Parabéns pelo belo trabalho, Wel. abraço.
Wellington de Melo
Postado às 06:26h, 10 outubroObrigado, amigo! Valeu a cumplicidade!