Hoje participei do A letra e a voz, junto com Cida Pedrosa e Pedro Américo de Farias. Como a temática era literatura e memória, me propus levar livros que de alguma forma marcaram minha vida e, talvez, minha escrita.
Cida começou falando sobre seu primeiro contato com a literatura, ainda no Bodocó, lendo cordéis, A princesa da pedra fina e Assassino da honra ou a louca do jardim. Depois passou por Celina de Holanda, Bandeira, Drummond, Gullar, Maiakovski. Foi bonito a genealogia poética de Cida, retirada de uma sacola de feira que ela trouxe.
Levei um baú e nele havia os seguintes livros: O estrangeiro, de Camus; A metamorfose, de Kafka; Quasar, de Lucila Nogueira; Verde vida, de Maria do Carmo Barreto Campello de Melo; O silêncio do seixo, Helbe de Oliveira; Um estrangeiro na legião, de Piva; Dose dupla, de Francisco Espinhara e Jorge Lopes; Canto geral, de Neruda. Também levei meus livros, mas acabei só lendo um poema do [desvirtual provisório].
Eu acho que já falei disso, mas minha formação básica foi bem precária. Eu tive que ir atrás da literatura, porque não tive professores de literatura que me provocassem num primeiro momento. Só depois, na faculdade, pessoas como Lucila Nogueira, Lourival Holanda e Anco Márcio me instigaram para outras coisas. Lucila principalmente, que me apresentou a Dona Carminha, Terêza Tenório, Pessoa.
Mas acho que o fato de não ter lido os clássicos quando ‘deveria’ ajudou a incitar meu desejo por ler. Falei de como achei dois livros no lixo: uma edição de Fagundes Varella de 1897 e um livro de Helbe Oliveira de Melo, “O silêncio do seixo”. De como encontrei Francisco Espinhara através de “Dose dupla”, o primeiro livro de poemas que eu comprei na vida e que ainda tenho, comprado na Livro 7. Falei de minha relação com a biblioteca de Afogados e com a biblioteca do SESC, onde eu ia ler. Foi quando descobri Kafka e Camus. Depois fale de Neruda, como a musicalidade dos poemas dele transcendem, para mim, a língua. Li o canto XII de “Las alturas de Machu Picchu”, que acho lindo.
[perfectpullquote align=”right” cite=”” link=”” color=”#6c3f2d” class=”” size=””]Disse que não distinguia poemas clássicos de não-clássicos, que o que me interessavam eram poemas que me retiravam do eixo[/perfectpullquote]
Depois, Pedro Américo também falou de sua história com a leitura, começada, segundo ele, com as fotonovelas. Pedro tem uma memória invejável. Eu lembro dois ou três poemas meus de cor. Ele disse vários poemas de memória. Cantou outros e foi bem bonito, aquele aboio-poema.
Ao final houve algumas perguntas. Um homem disse que os poemas que escolhi eram muito ‘destrutivos’. Acho que ele se referia ao poema de Espinhara, Black Sabbath, e A máquina de matar o tempo, de Piva, dois poemas divisores de águas para mim, em momentos diferentes de minha vida. Achei pouco provável que estivesse falando de Maria do Carmo Barreto Campello ou de Helbe de Oliveira, ou de qualquer outro que li, a não ser meu [desvirtual provisório], que é um pouco duro para alguns ouvidos. Mas os outros eram bastante líricos.
Enfim, o senhor criticou a ausência da poesia clássica entre os nossos ‘escolhidos’ e declamou um poema Cláudio Manuel da Costa, se não me engano. Houve algum desconforto, porque o tempo estava corrido, mas quis dizer algumas palavras. Disse que não distinguia poemas clássicos de não-clássicos, que o que me interessavam eram poemas que me retiravam do eixo – sempre disse que a grande obra de arte é medida assim, o que não quer dizer que seja nada universal. Disse que poesia era o que destruía a mediocridade.
Pedro emendou com um comentário que achei infeliz, porque disse que o homem ‘destruiu’ o poema ao declamá-lo mal. Não era por aí. No final das contas, eu também deveria ter ficado calado, aceitado que ele fechou os ouvidos para todos os outros textos que li depois de “Black Sabbath”. Acontece com meus alunos: se há antipatia no começo da aula, eles não aprendem nada mais. Eu não tinha nada a ensinar ali, apenas a mostrar. Mas às vezes, mostrar-se demais, opinar demais, te fragiliza.
Eu saí meio mal do lugar, como que vampirizado pela situação. Cida ficou chateada, não sei se com minha fala, com a de Pedro ou as duas. “Assim se afasta mais ainda o leitor”. Concordei. Talvez devesse ter dito algo como “O senhor sentiu repugnância em alguns textos que eu li. Isso é bom, pois o texto lhe fez sentir algo. A maioria deles não consegue nem sequer isso. Talvez aí resida a poesia”. Mas eu não disse isso. Fica para a próxima.
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