Serra Talhada, paletós e poesia

Cheguei hoje da viagem que fiz representando a Secretaria de Cultura na primeira Feira de Literatura de Cordel do Sertão, promovida pelo ponto de cultura Cabras de Lampião, que mantém o Museu do Cangaço e tem um trabalho bem legal junto às escolas da região.

Primeiro, uma anedota: havia um encontro com os pontos de cultura da região pela manhã. Minha programação começava às 16h, assistindo uma palestra de Adriano Macena sobre os impactos sociais, econômicos e simbólicos da literatura de cordel. Mas quis chegar antes para essa reunião. Não sabia o grau de formalidade, então botei o terno e fui-me para o museu, onde aconteceria a reunião. Justamente quando vou entrando, os olhares espantados, uma ou outra gracinha dos meus colegas com ‘chegou o deputado’ e coisa do tipo. Preferi pecar por excesso. O curioso é que quando entrei foi justamente o momento em que falavam que o coordenador de literatura  (eu) participaria do evento mais tarde. Mais cinematográfico, impossível.

Após a palestra, que foi assistida por alunos da rede estadual, voltei para descansar na pousada e a segunda coisa que me marcou: estava andando pelo centro da cidade quando ouço um carro de som anunciando a feira. O locutor dizia, como quem anuncia shows musicais: “I Feira de Literatura de Cordel do Sertão, com a participação de Chico Pedrosa, Rui Grude, Felipe Júnior…”. Achei muito legal isso: poetas tratados como pop stars mesmo, atração da cidade. Vontade de ter as rádios em Recife anunciando com tanto apreço um lançamento de um livro ou um recital.

À noite rolou apresentação do grupo de Xaxado Cabras de Lampião. Um dos bailarinhos era mototaxista e havia me deixado na pousada pela manhã. Lembro que falou como o grupo conseguia levar adiante os projetos, a despeito do apoio local. Não vi seus olhos, pois estava na garupa da moto, mas não tenho dúvida de que deveriam brilhar naquele momento. Quando chegou na porta do museu, pronto para entrar para o palco, vestia as roupas características do xaxado, imitando as roupas dos cangaceiros. Desejei uma boa apresentação e ele foi feliz ao palco. Todos os dançarinos eram muito jovens, prova de que a cultura vai se renovando e renovando. Outra prova disso veio depois, quando Chico Pedrosa antecedeu um rapaz de São José do Egito, Caio Menezes. Quando conversei com Anildomá Willans, organizador do evento e dirigente do Cabras de Lampião, ele disse “Esse pessoal de São José do Egito é muito bom”. Quando lembro de gente feito os Marinho, não duvido disso.

Algumas horas antes eu tinha conversado com Felipe Júnior sobre o assunto: ele disse que poesia popular é matéria nas escolas em São José do Egito. “Não é a água que bebem, como dizem, é investimento em educação”. Concordo demais. A cidade parece ter uma identidade poética e recitatória muito forte. O gestual de Caio me lembrava o de Antonio Marinho, que por sua vez lembrava o de Lirinha. Não sei o que nasceu primeiro, mas mereceria um trabalho acadêmico. Mas eu entendia que tudo o que eu vivenciava era filtrado pelo meu olhar, esse olhar estrangeiro que se pretende igual, mas não é. Como aparecer de terno num sol dos infernos.

Saí do recital quando estava pegando fogo: tinha que descansar para a viagem de volta a Recife, que aconteceria às 0h. Voltei feliz, ouvindo Going to  California do Led Zeppelin e vendo a vegetação do Sertão entrecortada pela luz dos faróis. Meu olhar estrangeiro ali, perdido entre lembranças, possibilidades de encontros e promessas de futuro.

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