Poema de Cesare Pavese, que até hoje é um dos meus preferidos. Diz tudo o que é preciso, poema faca, poema osso, como gosto que seja.
Decidi fazer a minha versão em português, normalmente pelo motivo que me faz traduzir: estar descontente com as versões que leio.Por favor, que não se entenda que estou dizendo que a minha é melhor, muito pelo contrário. Só é a versão como o poema deveria soar para mim, só para mim. Sou dos que preferem a musicalidade à tradução literal, tentar preservar o ritmo que havia. Daí que vão notar algumas palavras a mais e outras a menos em minha versão, inversões e simplificações que preservam, a meu ver, algumas aliterações da versão em italiano. Também aconteceu ao contrário, de haver uma tradução que me parecia sonoramente mais adequada, mas cuja opção influenciaria semanticamente o poema. Por exemplo, quis colocar ‘abismo’ ao invés de ‘redemoinho’, mas se perderia o sema associado ao ‘caos’ em detrimento do sema que valorizaria o ‘vazio’. Não fiquei feliz com ‘redemoinho’, que incomoda como tradução para ‘gorgo’, mas não achei outra opção.
Enfim, aberto para que digam o que acham.
Virá a morte e terá os teus olhos
Virá a morte e terá teus olhos
esta morte que nos acompanha
dia e noite, insone,
surda, como um velho remorso
ou um vício absurdo. Teus olhos
serão uma vã palavra
um grito não dito, um silêncio.
Assim os vês todas as manhãs
quando sozinha te inclinas
no espelho. Ó cara esperança,
naquele dia também saberemos nós
que és a vida e és o nada.
Para todos a morte tem um olhar.
Virá a morte e terá teus olhos.
Será como largar um vício,
como ver no espelho
ressurgir um rosto morto
como escutar um lábio cerrado.
Desceremos ao redemoinho, mudos.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi
questa morte che ci accompagna
dal mattino alla sera, insonne,
sorda, come un vecchio rimorso
o un vizio assurdo. I tuoi occhi
saranno una vana parola,
un grido taciuto, un silenzio.
Cosí li vedi ogni mattina
quando su te sola ti pieghi
nello specchio. O cara speranza,
quel giorno sapremo anche noi
che sei la vita e sei il nulla.
Per tutti la morte ha uno sguardo.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.
Sarà come smettere un vizio,
come vedere nello specchio
riemergere un viso morto,
come ascoltare un labbro chiuso.
Scenderemo nel gorgo muti.
Cesare Pavese, Março 1950
***
2 Comentários
Everardo Norões
Postado às 11:37h, 14 marçoCaro André:
Tabém é um de meus preferidos.
Essa minha tradução foi postada no meu blog em maio de 2010.
Forte abraço,
Everardo
http://retabulodejeronimobosch.blogspot.com/search?q=cesare+pavese
Virá a morte e terá teus olhos –
esta morte que agora te acompanha,
desde manhã à noite, insone,
surda, como um velho remorso
ou um vício absurdo. Os teus olhos
serão uma palavra vã,
um grito calado, um silêncio.
Assim os vês todas as manhãs,
quando sobre ti te debruças
no espelho. Ó cara esperança,
nesse dia também saberemos
que és a vida e és o nada.
Para todos tem a morte um olhar.
Virá a morte e terá teus olhos.
Será como cessar um vício,
como avistar no espelho
ressurgir um rosto morto,
como auscultar um lábio ocluso.
Desceremos ao mudo abismo.