Afinal, como é possível que um músico tire o primeiro lugar no vestibular, deixando para trás aqueles que sempre estiveram nessa posição? Como é possível que entre os dez primeiros colocados, seis sejam da área de música? Mais: como é possível que entre os dez, oito sejam da rede pública de ensino? Muitos devem ter se feito essas perguntas após os resultados da segunda fase da UFPE. A revolta que permeia essas perguntas, no entanto, esconde sentimentos inconfessáveis de parte das elites de nosso estado.
Criticou-se o caráter ‘subjetivo’ da prova de habilidades, que alavancou a nota dos músicos classificados. O mais curioso é que o próprio ato de estabelecer um ranking para indivíduos com habilidades e interesses tão diferentes como um músico e um engenheiro já é algo completamente subjetivo. Alguns maldosos me citarão o poeta, engenheiro e dramaturgo Joaquim Cardozo. Eu seria mais maldoso ainda, pedindo que procurassem quantos Joaquins Cardozos há no Centro de Tecnologia da UFPE, sem ofensa. O que espanta é o fato de os críticos só notarem que esse ranking é subjetivo, que não houve ‘isonomia’ no processo, quando não apareceram, entre as listas dos primeiros colocados, os futuros engenheiros, médicos e advogados, elite intelectual (?) de nossa sociedade. Por que o talento de um potencial músico ou professor extraordinário precisaria ser ocultado por um talvez futuro médico ou advogado medíocre? Melhor dizendo, quantos grandes médicos, advogados, engenheiros, arquitetos, ou músicos foram primeiros lugares em seu ingresso à universidade?
Falar que os 10% de bônus para os alunos de escola pública desequilibram demais o processo é, no mínimo patético. A despeito do trabalho que vem se tentando fazer na educação no estado, a distância entre as escolas públicas, mesmo as de referência, e as mais destacadas da rede privada, que produzem primeiros lugares, não supera esse bônus. Sem falar das condições de vida de um aluno da rede pública como primeiro colocado, Davi Campos, que tinha que pegar quatro ônibus todos os dias para continuar estudando. O sete de um aluno da rede pública definitivamente não é um sete de um aluno da rede privada. Não sejamos hipócritas.
Dirão que ainda assim há desvantagem no fato de os músicos fazerem uma prova prática e teórica a mais, o que ‘puxaria’ sua nota para cima. Isso, uma prova extra de Teoria Musical e uma Prova Prática. Essa última, algo completamente inútil para um músico, não é verdade? Concordo. Então, serei talvez mais demagógico que salomônico: instituamos provas práticas para todos os cursos, se possível, exames psicológicos para certas áreas como Medicina, pois é inconcebível notar como cada vez mais vemos jovens médicos pouco preparados para tratar realmente com seres humanos, tão frios que só pode ter origem numa formação tecnicista. O que estaria faltando na formação deles? Arte? Ah, também precisaremos instituir um teste específico de Ética para a nova geração de advogados, renovado a cada ano de curso e, posteriormente, durante o exercício de sua carreira.
Agora, esse ranking de classificação, quase uma doutrina nos processos seletivos, interessa a quem. O primeiro lugar nesse ranking é garantia de que esse rapaz ou essa moça serão excelentes profissionais, pessoas melhores pelo menos? Pessoas inteligentes devem saber quem tem interesse nesses resultados. A revolta de um segmento e a comemoração de outro revelam interesses em justificar certas ações públicas ou o desempenho de qualidade de certas empresas. Pronto, falei. Seria ingenuidade pensar diferente.
Com certeza a fórmula de cálculo para Bacharelado em Música será revista. Será muita pressão, principalmente dos setores que se viram prejudicados (?) com o resultado. Mas eu fico na boca com aquele gostinho de vitória, gostinho infantil de picolé em dia de sol, com esse resultado de agora. Porque esses resultados da UFPE representam, para mim (e talvez esteja exagerando, sendo ingênuo também, mas entendam, faz parte da euforia), uma vitória do humanismo, uma vingança da arte.
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