Uma das dúvidas mais recorrentes dos alunos é a diferença entre gênero e tipo textual. Há alguns anos, durante uma aula, eu segurava um exemplar de O senhor dos anéis. Naquele momento, perguntei a meus alunos qual o gênero textual a que pertencia o livro. Um deles responde com toda segurança: “Narrativo!” Naquele momento, percebi que respostas como essa denotam que há uma certa confusão por parte deste aluno com respeito aos conceitos de tipo textual e gênero textual.
Por isso, decidi escrever este texto e nele tentarei explicar brevemente essa diferença. Aqui, utilizei como base um excelente artigo de Luiz Antônio Marcuschi, publicado em Gêneros textuais e ensino (Lucerna, 2005), organizado por Ângela Dionísio, Anna Raquel Machado e Maria Auxiliadora Bezerra. Além disso, utilizei exemplos extraídos do livro O senhor dos anéis.
Língua, tipos de texto e gêneros textuais
Primeiramente, vamos entender um pouco o que é uma língua. Para Marcuschi (2005) a língua é uma “atividade social, histórica e cognitiva”. Dessa forma, uma língua só existe a partir das interações entre seus falantes e essas interações se dão através de determinados “modelos” adaptados às mais diversas situações comunicativas.
Quer dizer, esse modelos ou “ações sócio-discursivas” são os gêneros textuais ou gêneros discursivos; são textos nas formas que encontraremos em nosso cotidiano, definidos por sua composição usual, suas funções comunicativas, estilo etc. Quando você fala de um gênero discursivo estará falando de uma carta, de uma entrevista, de uma aula expositiva, de um chat etc.
Por outro lado, ao falarmos de tipos textuais, estaremos diante de sequências de textos com determinadas características linguísticas, determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas etc. Claro que há um número incontável de gêneros textuais, mas os tipos textuais são apenas cinco, a saber, narrativos, argumentativos, expositivos, descritivos e injuntivos.
Esses são caracterizados pela presença de certos traços linguísticos predominantes. Por isso, uma sequência narrativa normalmente é reconhecida por seu caráter temporal, enquanto uma sequência injuntiva pela presença de elementos imperativos. Em detalhe, os tipos textuais segundo Werlich (1973).
Narrativos
Os textos de tipo narrativo tendem a ser enunciados com verbos de mudança no passado, um circunstancial de tempo e lugar. Normalmente são designados como enunciados de ação. Dessa forma, o elemento central é a sequência temporal. Veja este exemplo:
Entraram pela Porta e desceram a rua íngreme e sinuosa. (J. R. R. Tolkien, O senhor dos anéis, O retorno do rei, p. 901.)
Descritivos
Trata-se de uma estrutura simples com um verbo estático no presente ou imperfeito, um complemento e uma indicação circunstancial. Nesse sentido, predominam as sequências de localização. Leia o exemplo:
A luz crescia; e as altas colunas e as figuras esculpidas ao longo do caminho passavam lentamente como fantasmas cinzentos. (J. R. R. Tolkien, O senhor dos anéis, O retorno do rei, p. 901.)
Expositivos
Esses servem para identificar ou ligar fenômenos, através de processos de composição ou decomposição. Por isso, é comum que o sujeito e o complemento estabeleçam entre si uma relação de parte-todo. Assim, são sequências analíticas ou explicitamente explicativas.
Essa é a corneta que Boromir sempre carregava! – exclamou Pippin. (J. R. R. Tolkien, O senhor dos anéis, O retorno do rei, p. 797.)
Argumentativos
Trata-se de um enunciado de atribuição de qualidades ou valores. Há um claro predomínio de sequências textuais contrastivas explícitas e de criação de conceitos a partir do próprio discurso com o objetivo de persuadir o interlocutor.
– Muito bem! – disse Sam desanimado. – Mas eu vou primeiro.
– Você? – disse Frodo. – O que o fez mudar de ideia sobre descer?
– Não mudei de ideia. É apenas bom senso: que vá primeiro aquele que tem mais probabilidade de escorregar. Não quero cair em cima do senhor e derrubá-lo – é insensatez matar dois numa só queda. (J. R. R. Tolkien, O senhor dos anéis, As duas torres, p. 637.)
Injuntivos
São enunciados incitadores à ação. Desta maneira, nota-se claramente sua função apelativa, uma vez que tende a possuir sequências com verbos no imperativo.
Ex: Parem! Parem! – gritou Gandalf, saltando na direção da escada de pedra diante da porta. – Parem com esta loucura! (J. R. R. Tolkien, O senhor dos anéis, O retorno do rei, p. 901.)
Diferença entre gênero e tipo textual
Como afirmei, os exemplos foram tirados de O senhor dos anéis, aquele que era um texto “narrativo”. Dessa forma, a resposta do aluno no começo deste post seria inadequada pois revela apenas o predomínio de uma sequência tipológica em um determinado gênero textual. Isso porque um mesmo gênero normalmente pode ter diferentes sequências textuais de diferentes tipologias.
Já no gênero “redação escolar” predominam as sequências argumentativas, mas é possível identificar enunciados expositivos ou injuntivos, por exemplo. É por isso que o romance (eis a resposta que deveria ter dado o aluno!) terá todas essas sequências trabalhando em função da narração.
photo credit: Elrenia_Greenleaf
em casa.
44 Comentários
Olga
Postado às 22:48h, 05 maioMuito elucidativo! Estava na maior dúvida, sempre confundindo tipo e gênero, mas a partir de sua explicação é como se um véu tivesse caído e eu enxergasse melhor. Muitíssimo obrigada!
Wellington de Melo
Postado às 23:00h, 05 maioObrigado, Olga! Divulgue nosso blog!
wilson sá
Postado às 11:33h, 01 dezembroAinda não entendi a diferença entre tipos textuais e gêneros textuais, aliás, estava até entendendo, porém, na pergunta: qual o gênero textual… eu achei q seria: qual o tipo t extual… pois, narrativa, etc, são tipos de textos e não gêneros, logo, o aluno teria errado pq respondeu “narrativo”, pois narrativo é um dos 5 tipos textuais.
Wellington de Melo
Postado às 20:40h, 03 dezembroMas a pergunta era certa: qual o gênero (romance). Como viu, dentro de um mesmo gênero, você pode ter diversas tipologias textuais.
Cíntia Lobo
Postado às 00:07h, 09 julhoObrigada e Parabéns Professor! Esclareceu muitas dúvidas, as quais vinham se acumulando. Sou estudante de Letras , tenho um ótimo orientador, mas na hora de elaborar o trabalho acadêmico fora da sala de aula, me vejo com algumas dúvidas. Q possa cada vez mais nos orientar com seus post esclarecedores…
Wellington de Melo
Postado às 08:12h, 11 julhoQue ótimo. Volte sempre!
Ivana Cristina Coelho
Postado às 10:00h, 06 maioOlá prof.
Parabéns pelo post. Super explicativo. Gostaria de te pedir ajuda em uma questão: Estou cursando o primeiro semestre do mestrado em letras e minha proposta é analisar os procedimentos argumentativos nas redações solicitadas em processos de seleção de emprego. As empresas de RH pedem uma redação aos candidatos e eu suponho que a redação seja um gênero que pode também ser chamado de dissertação, mas a minha orientadora afirma que é um tipo textual. Eu estou com dúvidas, porque a redação não seria um gênero e se ela é dissertativa ou argumentativa não seria o tipo? Por favor, o senhor poderia me dar referenciais teóricos sobre essa questão? Fico imensamente agradecida.
Stefanie
Postado às 20:04h, 03 abrilSou estudante do último semestre do curso de Letras e fã de Tolkien! Sua aula foi incrível, queria ter sido sua aluna na disciplina de Linguística de Texto! Parabéns pelo texto, pelo blog e por ser um ótimo profissional!
Wellington de Melo
Postado às 10:01h, 04 abrilMuito obrigado! Espero que possa usar o exemplo em aulas!
Miligratis
Postado às 11:36h, 19 maioA resposta certa poderia ser conto..OK ?
Wellington de Melo
Postado às 10:13h, 24 maioNa verdade, trata-se de um romance!
Jefferson Cézanne
Postado às 20:32h, 12 marçoAchei fantástico a forma que o texto foi abordado. Tenho certeza que esse aluno nuca mais cometerá este erro. Parabéns!
Gabriela Truocchio
Postado às 12:51h, 11 marçoGostei mtoo do seu post, da hora . Pois gira em volta do Senhor dos Aneis !! mtoo chique gostei e me ajudou a estudar para a prova!! vlw!
Wellington de Melo
Postado às 18:02h, 11 marçoAh, legal, Gabriela. Abraço!
Ana Lúcia
Postado às 20:05h, 06 marçoEu apreciei muito o seu post esclareceu algumas duvidas.muito obrigada!
Professor Nana
Postado às 15:59h, 06 marçoHá conceitos em relações a generos enraizados em nossa cultura escolar, não seria mais inteligente por parte dos autores utilizar os conceitos já existentes e utilizar novas nomeclaturar somente quando necessário. Provavelmente esse aluno aprendeu durante sua caminhada escolar que contos, cronicas, romances são do genero narrativo. Para os autores como Marcuschi genero é tipo, eis a confusão formada. Sem falar que para muitos autores os conceitos continuam o mesmo. É preciso enconcotrar fôrmulas para transitarmos entre todos os conceito e nomeclaturas.
Wellington de Melo
Postado às 18:31h, 06 marçoOlá, Nana. Não entendi a coisa de que para Marcuschi gênero é tipo. No caso, você estava falando de gêneros literários ou gêneros discursivos? Concordo que é difícil a questão das múltiplas nomenclaturas, mas é um trabalho lento de se modificar, pois, no final das contas, está enraizado nos professores, não nos alunos, não é? Abração!
Maggie
Postado às 09:27h, 06 marçoEu particularmente adorei as explicações, pois foram todas bem detalhadas e de uma forma bem sintetizada. Obrigada pelas dicas!
Sergio Assis.
Postado às 21:09h, 08 fevereiroGostei muito do post. Serve como provocação para que o leitor mais interessado possa buscar outras fontes de pesquisa.
Carla Graicy
Postado às 20:53h, 03 fevereiroEu apreciei o seu post,mas acredito que deveria aprofundar mais na definição de tipologia textual e gêneros textuais e exemplificar mais.
Wellington de Melo
Postado às 05:45h, 04 fevereiroObrigado, Carla. A proposta do texto é ser breve mesmo, não tão analítico. Os exemplos usados foram todos extraídos do livro “O sernhor dos anéis”, para dar uma unidade ao texto. Mas acredito que existem outros mais detalhados e mais profundos pela net. Abração!
Cristina
Postado às 12:19h, 02 janeiroGOSTEI MTO, ME AJUDOU A TIRAR VÁRIAS DÚVIDAS.oBRIGADO!
Angelafonseca22
Postado às 15:28h, 27 fevereirogostei e um pouco complicado
Kaliny-macedo
Postado às 10:49h, 08 dezembroadorei o post achei muito interessante mas ñ esclareceu pra mim o que eu precisava
Wellington de Melo
Postado às 10:59h, 08 dezembroO que exatamente você precisava, Kaliny?
Proferoseane
Postado às 01:26h, 15 outubroGostei muuito das suas colocações, irei utilizá-las em um curso que estou fazendo. Obrigada por contribuir para que tudo se esclareça em relação à tipologia e ao gênero. Um abraço da Roseane
Wellington de Melo
Postado às 05:53h, 15 outubroRoseane, pode usar sim! Grande abraço e boa caminhada! Se gostou, pode curtir!
Jean
Postado às 17:23h, 10 outubroo SR. poderia resumir mais detalhadamente a diferença dos dois tipologia e generos textuais:
gostei muito do seu texto muito claro e objetivo suceso na sua carreiramano fuiz, mas ñ esqueci de responder ñ viu
glaucia
Postado às 17:23h, 08 julhoNossa! gostei muito sobre o que li, você é professor de português , escola públca ou privada?
Achei interessante a colocação da Silviene, e ainda percebo qu estou com dúvidas sobre quando poderia definir uma propaganda (tipologia argumentativa ou injuntiva?)
Wellington de Melo
Postado às 23:01h, 08 julhoOlá, Gláucia. Mais uma vez: cada texto é uma combinação de tipologias. Por exemplo, pense naquele anúncio publicitário antigo que dizia: “Não esqueça minha calói”. Claro que existe aqui uma tipologia injuntiva, né? Mas pense no anúncio do Bradesco: Bradescompleto. Um neologismo que de alguma forma te passa a mensagem. Injunção aqui? Não necessariamente. Veja: não existe isso de dizer que carta é um gênero injuntivo, descritivo etc. Isso não é a natureza dos gêneros, é o que menos importa. O que define o gênero textual, segundo Marcuschi, é muito mais sua circulação social que sua forma. Acho que é isso.
Silviene
Postado às 17:17h, 20 marçoOlá, professor!
Aqui estou novamente para pedir-lhe novas orientações sobre tipologia e gênero. Gostaria de saber se posso classificar a crônica “Notícia de Jornal”, de Fernando Sabino, como narrativo-descritiva. Tenho analisado os conceitos de ambas tipologias e considerei caso de hibridismo, se é que isso é possível. Desde já agradeço, mais uma, vez sua atenção.
Abraços,
Silviene.
Wellington de Melo
Postado às 18:44h, 20 marçoOlá, Silviene.
Como mencionei em outra ocasião, quando se trata de tipologia, dificilmente você encontrará um gênero ‘puro’. Aliás, uma das características dos gêneros é essa possibilidade de tipologias múltiplas. Considere que, mais importante que classificar um gênero como contendo tipologia X ou Y, é considerar que possa existir uma predominante. Esse hibridismo de que fala está praticamente a essência dos gêneros.
Silviene
Postado às 19:15h, 28 fevereiroPrezado Wellington, muito obrigada pela sua orientação, ajudou-me bastante!!!!!
Abraços, Silviene.
Wellington de Melo
Postado às 19:23h, 28 fevereiroVolte sempre!
Silviene
Postado às 17:54h, 28 fevereiroPrezado Wellington,
Gostaria de saber se o gênero “cheque” pertence ao tipo textual injuntivo. Desde já obrigada.
Wellington de Melo
Postado às 18:53h, 28 fevereiroSilviene, primeiro é bom dizer que nenhum gênero ‘pertence’ a um tipo, mas possui sequências tipológicas mais ou menos predominantes. No cheque existe normalmente a sequência “Pague-se por este cheque”. Essa sequência é claramente injuntiva. Daí a afirmarmos que o cheque é necessariamente injuntivo, acho que não rola. Abraço.
Clara
Postado às 09:31h, 11 junhoNum gostei mt nummm aff
Wellington de Melo
Postado às 13:01h, 11 junhoDo que exatamente você não gostou, Clara? Abraço.
LN
Postado às 18:46h, 21 fevereiroAnterior aos estudos de Marcuschi e, provavelmente fonte de pesquisa do mesmo, são as publicações de Bronckart (1996a) sobre gênero e tipo. Só que para o autor não são apenas cinco tipos textuais, mas 6: descritiva, explicativa, argumentativa, narrativa, injuntiva e dialogal. Essa última aconteceria nos momentos em que se torna necessário fazer o destinatário manter-se na interação proposta (ex: a ‘abertura’ de um bilhete ou carta, ‘operações transacionais’ quando se passa a palavra, no ‘fechamento’ de alguma comunicação, entre outros exemplos). Não entendi, ainda, porque nos livros mais recentes não é mencionado esse sexto tipo.
Wellington de Melo
Postado às 20:40h, 21 fevereiroTento lembrar agora como Marcuschi trata as sequências ‘dialogais’ de Bronckart, mas há aqui uma relação com a função fática, não?
Wellington de Melo
Postado às 11:35h, 21 fevereiroRespondendo ao Ricardo, acho que talvez não fosse necessária, mas já que aconteceu, deveria ser mais ampla e simplificar mais coisas. Do jeito que ficou, em alguns casos apenas complicou, como com os hifens.
monica
Postado às 11:32h, 21 fevereiroA nova reforma é necessária sim porque a língua sofre variação seja de forma oral ou escrita,pois eu não concordava de ´so a linguagem falada sofrer variaçôes então agora estou contente com a nova reforma ortógráfica
Wellington de Melo
Postado às 11:32h, 21 fevereiroOi, Mônica.
Como o próprio Marcuschi diz, há um número incontável de gêneros e eles se multiplicam à medida em que são criadas novas formas de interação numa sociedade. Seria complicado oferecer uma tabela de gêneros, mas pense que um gênero é uma ‘formatação instituída’, uma maneira de veicular um texto numa sociedade. Falaremos aqui de uma carta, um email, uma tese, uma aula expositiva, uma comunicação oral, um chat etc. Enfim, não seria possível fazer uma lista assim e talvez não fosse nem tão relevante, já que a natureza dos gêneros é se misturarem, se imbricarem em novas configurações. Um anúncio publicitário, por exemplo, pode vir com a ‘forma’ de uma carta para papai Noel. O que o define como anúncio é sua função social. É por aí!
Ricardo Leonel
Postado às 01:53h, 04 maioResponda, sinceramente: essa nova reforma ortográfica era realmente necessária?
Ricardo